
Peter Drucker afirmava que “estratégia é commodity, execução é arte”. A frase sintetiza um dos maiores desafios das organizações: a distância entre o que se planeja e o que, de fato, se realiza. O ponto crítico é que grande parte das empresas não sofre de falta de boas estratégias, mas sim de dificuldade em conectá-las à execução diária.
Autores como Karen Martin (Clarity First), John Doerr (Measure What Matters), Klaus Leopold (Rethinking Agile), Jez Humble (Lean Enterprise) e frameworks como o SAFe (Scaled Agile Framework) oferecem pistas sólidas sobre como preencher essa lacuna.
A seguir, exploramos os principais elementos que permitem transformar visão estratégica em resultados tangíveis, criando um ciclo virtuoso de alinhamento, foco e entrega.
O Desdobramento da Estratégia
Kaplan e Norton, em The Strategy-Focused Organization, foram pioneiros ao defender que a estratégia precisa ser traduzida em objetivos e indicadores claros, algo que inspirou o Balanced Scorecard.
Sem esse desdobramento, o que nasce como uma visão robusta no nível executivo se perde no meio da hierarquia, transformando-se em interpretações distintas e desalinhadas.
O processo de desdobramento deve contemplar:
- Direcionadores estratégicos: declarações de alto nível que expressam a visão de longo prazo.
- Objetivos estratégicos: traduções práticas desses direcionadores em intenções mais específicas.
- Métricas e metas: parâmetros para avaliar progresso, que funcionam como bússola para a execução.
- Alinhamento entre níveis: cada área ou unidade deve enxergar como seus objetivos locais se conectam aos corporativos.
Estudos de Kaplan e Norton mostraram que empresas que realizam esse desdobramento de forma sistemática têm 70% mais chances de alcançar resultados estratégicos do que aquelas que mantêm a estratégia apenas no discurso da liderança.
A IBM viveu isso na prática
Nos anos 2000, a IBM redesenhou seu modelo de gestão estratégica. Criou objetivos corporativos desdobrados em metas específicas por área e vinculou incentivos a esses objetivos. Esse alinhamento foi decisivo para o reposicionamento da empresa como fornecedora de soluções de tecnologia e consultoria.
Comunicação da Estratégia
Kotter, em Leading Change, enfatiza que comunicar estratégia não é um evento pontual, mas um processo contínuo. Pesquisas da Harvard Business Review reforçam que, em organizações de grande porte, colaboradores precisam ouvir uma mensagem pelo menos sete vezes, em diferentes canais, para assimilá-la de fato.
Comunicar estratégia de forma eficaz envolve:
• Narrativa clara e simples: sem jargões, conectada a histórias reais e objetivos tangíveis.
• Repetição intencional: reforço contínuo em reuniões de liderança, town halls, newsletters internas.
• Exemplo da liderança: quando líderes modelam comportamentos coerentes com a estratégia, a mensagem ganha legitimidade.
• Espaços de feedback: não é apenas transmitir, mas também ouvir dúvidas, críticas e sugestões.
Karen Martin, em Clarity First, alerta que a ambiguidade na comunicação da estratégia é uma das principais fontes de desperdício organizacional. A clareza é, portanto, um ativo estratégico.
A gigante Microsoft tem um ensinamento sobre isso
Quando Satya Nadella assumiu a Microsoft em 2014, a empresa estava presa a disputas internas e estratégias difusas. Nadella reformulou a comunicação da estratégia em torno de um propósito simples: “empoderar cada pessoa e organização no planeta a alcançar mais”.
Essa narrativa foi repetida em todos os níveis, de grandes conferências a reuniões locais, criando clareza sobre o que importava.
OKRs como Guia
John Doerr, em Measure What Matters, mostrou como Google, Intel e outras gigantes conseguiram transformar estratégias ousadas em resultados palpáveis por meio dos OKRs. A fórmula é simples: Objetivos inspiradores acompanhados de Resultados-Chave mensuráveis.
Mais do que uma técnica, os OKRs promovem disciplina e foco:
• Conectam o estratégico ao tático: os objetivos de alto nível são traduzidos em compromissos práticos no nível de times.
• Promovem alinhamento transversal: quando transparentes, todos sabem no que cada área está concentrando esforços.
• Criam ciclos curtos de aprendizagem: revisões trimestrais permitem ajustar rumos antes que seja tarde demais.
E, principalmente, são o Google Maps do mundo corporativo ajudando empresas a manter o trem nos trilhos e alcançar seus objetivos. E ajudam a entender desvios importantes que farão com que a estratégia não seja alcançada.
Estudos de Doerr mostram que organizações que adotam OKRs com disciplina alcançam até 30% mais eficiência no uso de recursos, pois reduzem iniciativas desalinhadas.
Tudo começou na Google?
No início dos anos 2000, quando a empresa crescia exponencialmente, os fundadores precisavam garantir que todos os times seguissem a mesma direção. Com os OKRs, cada colaborador sabia exatamente como sua contribuição impactava nos objetivos globais, como “organizar a informação mundial”. Isso foi fundamental para manter a disciplina de foco e inovação em escala.
Lean Portfolio Management (LPM)
Se os OKRs oferecem direção, o Lean Portfolio Management (LPM) garante que os recursos da organização sejam aplicados de forma coerente. Descrito no SAFe Lean Portfolio Management e aprofundado em Lean Enterprise, o LPM equilibra governança com agilidade, priorizando investimentos que realmente entregam valor estratégico.
As práticas do LPM incluem:
• Priorização baseada em valor: iniciativas são avaliadas por critérios como Custo do Atraso e alinhamento estratégico.
• Alocação dinâmica de recursos: em vez de orçamentos rígidos anuais, os investimentos são ajustados conforme a evolução do portfólio.
• Transparência do fluxo de valor: gestores acompanham, em tempo real, o progresso das iniciativas estratégicas.
Pesquisas citadas por Jez Humble em Lean Enterprise revelam que empresas que aplicam práticas de LPM conseguem reduzir em até 40% o tempo entre a concepção de uma ideia e sua entrega ao mercado.
A ING Bank tem um case muito interessante de LPM
O banco holandês ING adotou práticas de LPM como parte de sua transformação ágil. Em vez de alocar orçamentos anuais por projetos, passou a financiar fluxos de valor conectados a objetivos estratégicos. Isso reduziu o tempo de aprovação de iniciativas e aumentou a capacidade de responder rapidamente a mudanças regulatórias e de mercado.
Flight Levels e Maturidade Organizacional
Klaus Leopold trouxe uma contribuição essencial: agilidade não se limita ao nível de equipes. É preciso atuar em três “níveis de voo” ou Flight Levels:
• Nível 1 – Times: foco na eficiência operacional.
• Nível 2 – Coordenação: orquestração de fluxos de valor entre diferentes áreas.
• Nível 3 – Estratégia: decisões de alto nível que orientam os fluxos.
A maturidade organizacional depende da capacidade de conectar esses níveis. Investir apenas em práticas ágeis nos times (scrum, kanban) sem olhar para a coordenação ou estratégia cria “ilhas ágeis”, que pouco impactam nos resultados globais.
Leopold mostra que, ao estruturar os três níveis, empresas conseguem acelerar a tomada de decisão e reduzir gargalos entre áreas — um dos maiores entraves à execução estratégica.
Existe um case na Europa para uma Telecom (case citado por Leopold)
Uma grande empresa de telecomunicações europeia investiu pesadamente em agilidade no nível de times, mas os resultados não apareciam. Só quando aplicou os Flight Levels, conectando estratégia, portfólio e operação, conseguiu acelerar decisões e reduzir gargalos entre áreas. Isso resultou em maior rapidez na oferta de novos pacotes de serviços aos clientes.
SAFe como Estrutura de Execução
O Scaled Agile Framework (SAFe) consolida essas práticas em um modelo integrado, utilizado por organizações como FedEx, Bosch e Nasdaq.
Existem opções ao SAFe, mas vamos abordar isso em outros artigos.
Alguns elementos centrais do SAFe:
• PI Planning: evento trimestral que conecta estratégia e execução, permitindo que centenas de pessoas alinhem prioridades em apenas dois dias.
• Agile Release Trains (ARTs): trens de valor que garantem coordenação contínua entre múltiplas equipes.
• Governança adaptativa: práticas que unem conformidade regulatória com flexibilidade de adaptação.
Segundo estudos da Scaled Agile Inc., empresas que adotam SAFe relatam, em média, aumento de 30–50% na velocidade de entrega e melhoria significativa na satisfação de clientes internos e externos.
Temos aqui dois bons exemplos, começando pela Bosch
A Bosch, gigante alemã, adotou SAFe para acelerar sua transformação digital. A empresa utilizou o PI Planning para alinhar centenas de equipes globais em torno de prioridades estratégicas, reduzindo ciclos de entrega de 18 meses para poucos meses em determinados produtos.
E fechando com a FedEx
A FEDEX implementou SAFe para aumentar a previsibilidade de suas entregas de software. Como resultado, conseguiu reduzir falhas críticas e entregar soluções digitais mais alinhadas às necessidades dos clientes.
Conclusão
Conectar estratégia à execução não é resultado de um método único, mas de uma arquitetura organizacional coerente, que combina:
• Desdobramento disciplinado da estratégia, para transformar visão em objetivos claros.
• Comunicação eficaz e contínua, para garantir alinhamento.
• OKRs, para guiar o foco e a mensuração de resultados.
• Lean Portfolio Management, para assegurar alocação inteligente de recursos.
• Flight Levels, para estruturar maturidade em múltiplos níveis.
• SAFe, para viabilizar execução em escala.
Organizações que constroem essa conexão reduzem desperdício, aceleram ciclos de entrega e aumentam a probabilidade de atingir sua visão estratégica. Mais do que frameworks, trata-se de criar um sistema integrado em que cada decisão, cada iniciativa e cada entrega contribuem para o propósito maior da empresa.
A adaptação é outro ponto importantíssimo. Não saia implantando frameworks ou ideias mirabolantes sem entender a cultura e como a empresa funciona de fato.
Você não tem que encaixar a empresa no modelo, mas o contrário. Adaptar o melhor do(s) modelo(s) à empresa.
Essa jornada não é nada fácil. É muito desafiadora. E precisa ser percorrida da forma correta para evitar atritos internos e identificar rapidamente os detratores.
Nesses momento contar com profissionais com experiência prática e uma consultoria que respalde é muito importante.
Vamos tomar um café presencial ou virtual e conversar a respeito.
A Gente está aqui para te ajudar a evitar as armadilhas comuns da transformação e tomar os atalhos adequados que só conhece quem percorreu a jornada várias vezes.